A Guerra Civil Espanhola criou a dicotomia “democracia e revolução social” versus “contrarrevolução e a reação”, que culminou com o regime republicano espanhol proclamado por segmentos liberais anticlericais e/ou maçons em contraposição aos carlistas, fascistas, militares, conservadores, que entre outros, categorizaram as políticas reformistas como diabólicas, já que as mesmas foram pensadas por (liberais anti-clericais e/ou maçons).
Essa instabilidade refletiu nos resultados das eleições ocorridas em 1936, quando os votos ficaram divididos entre a Frente Direitista e a Frente Popular.
Nesse ínterim, os ultra-conservadores, através dos conservadores do exercito sob o comando do General Franco e com o apoio da Alemanha e da Itália – que deslocaram contingente de africanos, dão um golpe de Estado, cujo início ocorre em Marrocos espanhol, em 1936. Mas nos principais centros o golpe não é bem sucedido: militares legalistas e militantes esquerdistas e das centrais sindicais enfrentam os golpistas, desestabilizando definitivamente o governo Constitucional republicano e instaurando a Guerra Civil espanhola.
Em outubro de 1936 uma junta de militares nomeia Franco chefe de Estado e generalíssimo dos exércitos, oficializando-o como “cabeça” da insurreição apoiada por um grupo de direitistas denominado “Falange Tradicionalista Espanhola”. A luta apenas começava. Nazistas e fascistas fazem da Espanha um laboratório de testes, enviam armas, tropas e suprimentos em ajuda ao general Franco.
A guerra prossegue até a ocupação das grandes cidades espanholas pelos nacionalistas da Falange. Para atingir seu objetivo Franco isola o território republicano do Atlântico.
É durante a execução deste plano que ocorre o bombardeio, em abril de 1937, à cidade basca de GerniKa, pela aviação nazista, que deixa 1645 mortos e 899 feridos. De certa forma a destruição de Gernika obrigou a cidade a existir para o mundo e trouxe seu nome para as conversas. Mas a cidade basca, que não passava de um monte de cinzas, ainda precisava tornar-se GUERNICA, o quadro.
Nesse contexto, estava sendo organizada na França uma exposição internacional voltada para o trabalho, o progresso e a paz. A Espanha republicana participa com finalidade política: alertar a opinião pública de que o conflito espanhol era o início de uma tragédia que envolveria o mundo inteiro.
Pablo Picasso recebe a encomenda de fazer um mural nos primeiros dias do ano de 1937 e utiliza a arte para levar a tona o contexto sociopolítico pelo qual a Espanha passava. O mural deveria explicitar tal contexto (onde deveria mostrar, implicitamente, a realidade da classe operaria de Barcelona).
Com novos aviões, em abril os alemães bombardeiam e destroem a antiga cidade de GerniKa, sem precedentes, sendo manchete, na manhã seguinte (28 de abril) no Jornal, com fotos que mostravam a cidade completamente devastada. Alguns dias depois Picasso elaborou as primeiras anotações e esboços de Guernica, uma denúncia da tragédia já mostrada pela mídia impressa. A pintura em tela (3,54 x 7,82 m) terminou em cinco semanas.
O artista não pretende denunciar um crime e despertar desprezo e piedade; quer trazer o crime à consciência do mundo civilizado, obrigando-o a sentir-se corresponsável, a reagir.
Dia |
Observação | Especificação |
1º dia | Anotação rápida a lápis feita em um minuto (21×27) | Touro com um pássaro pousado, imagem de cavalo caído, uma mulher na janela segurando o lampião (ou um vaso) |
1º dia | Refina as idéias na busca de uma composição mais geral | Inclui um soldado caído |
2º dia | No chão, surge uma mulher como vítima, | |
8 de maio | Acrescenta-se ao cavalo, a mãe e filhos mortos | |
9 de maio | Estudo da composição |
Utilizando o monocromatismo, Picasso conferiu uma tonalidade sombria e trágica à obra; tudo está muito claro, as linhas traçadas com precisão, os planos destinados a serem preenchidos com cor, mas ela não está ali, também não está o efeito plástico volumétrico, portanto o relevo também não está ali.
A percepção humana conhece a natureza das coisas através da cor e do relevo, portanto sem elas não existe vida ou natureza, a relação do homem.
Argan comenta (Arte Moderna pg.476) que Guernica tem o esqueleto do quadro histórico clássico:- o esqueleto, justamente, porque a arte clássica, com a plenitude de suas formas e brilho de suas cores, foi como que soprada, destruída pela brutalidade do acontecimento.
Simetria | O eixo médio do muro branco, as pilastras verticais do touro à esquerda e a figura com os braços erguidos à direita |
Perspectiva | Está presente nas figuras dos caídos em primeiro plano, os planos perspectivos do fundo e abertura da janela |
Alternância | Dos planos brancos, negros e cinzentos compõe a gradação de valores. |
Ritmo crescente | Vai desde o tom nobremente oratório do caído que aperta o punho da espada quebrada ao relinchar dilacerante do cavalo mortalmente ferido. |
A ordem compositiva foi determinada desde a primeira versão. A imensa tela se estrutura a partir de um triângulo que domina o centro do quadro e se estende dos dois vértices inferiores até o ponto mais alto de seu eixo vertical.
Guernica apresenta poucos personagens:- seis seres humanos e três animais. O conjunto proporciona uma sensação angustiante, porque Picasso encerrou a ação em um espaço interior, em que o tamanho das figuras em relação à arquitetura acentua o espaço claustrofóbico.
Os efeitos expressionistas do contraste entre branco e negro e a distribuição dos elementos cenográficos (as edificações, as lâmpadas, o chão de tijolos, a lança estilhaçada, a flecha, a mesa, as chamas reproduzem o efeito de bombardeio e criam um caos vertiginoso e desconcertante).
“GUERNICA” se apresenta ao público
Na segunda metade de junho de 1937, a tela foi retirada da parede do ateliê, enrolada e levada ao Pavilhão Espanhol para a Exposição Internacional de Artes e Técnicas da Vida Moderna, aberta no dia 24 de maio.
Na época, o modernismo, racionalismo, ou estilo internacional, como era chamado interessava a poucos.
Na entrada do pavilhão espanhol estavam três grandes esculturas, após esta passagem entrava-se na parte externa coberta com foto montagem ao lado de estatísticas e frases do presidente republicano Manuel Azaña.
O visitante então era convidado a passar por um pátio coberto que dava num palco de teatro, com uma rampa de concreto à esquerda formando um arco elegante e suave e ao passar por este ponto de deparava com o impacto da Guernica.
Muitos foram os comentários acerca de Guernica, desde operários que foram reunidos em uma cerimônia simples para comemorar a construção até o embaixador da Espanha, passando por diversos críticos de arte.
A crítica concluiu corretamente, que, muito tempo depois da exposição fechar as portas, o quadro passaria a ter vida própria e que a luta entre o estilo romântico e o clássico no quadro refletiam o tema violento.
Como grande intelectual, Picasso também incomoda a ciência enviando através da obra o seguinte recado ao outros artistas da época:- “não traia a cultura, não renegue sua vocação humanista para pôr-se a serviço de um poder infame, não pensem que chegarão a um acordo com a tecnologia industrial, esperando redimi-la com finalidade social.”
No verão de 1937, ninguém sabia como terminaria a guerra civil na Espanha e Picasso não imaginava que nunca mais veria sua terra. No pavilhão, em Paris, ele simbolicamente tinha deixado os sapatos à porta para entrar novamente na terra escura da Espanha.
Sobre o quadro, antes ainda da exposição Picasso declarou a seu amigo Sert, “Se a paz vencer no mundo, a guerra que pintei será coisa do passado. O único sangue a correr será o de um lindo desenho, um belo quadro. As pessoas vão se aproximar dele e, ao tocarem-no com os dedos, vão sentir uma gora de sangue, mostrando que o quadro está realmente vivo”.
Considerações finais
Com um quadro, Pablo Picasso deixou para sempre na memória dos povos o sucedido com Gernika.
As fotos do acontecimento, menos conhecidas, também são reveladoras das atrocidades conhecidas.
Depois disto o mundo vivenciou a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Vietnã, e outros conflitos armados em que se repetiram os horrores, em suas diferentes formas, como reações próprias dos homens, que se manifestam conforme os contornos de sua consciência e as contingências políticas e sociais.
A obra de arte como forma de conhecimento autônomo ganha relevância como algo capaz de atravessar o tempo e oferecer vestígios que sintetizam as questões sociais e individuais, evidenciando as formas como os homens convivem e a maneira como vivenciam experiências.
A obra de Picasso se tornou também um manifesto mundial contra todas as manifestações imperialistas e tem sido representada das mais diversas formas em movimentos e manifestações pela paz.
Inspiradas no quadro de Picasso, a criatividade e generosidade humanas tem criado outras obras de arte que celebram as muitas Gernikas do mundo.
2 Comments
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Equipe Ateliê, Arte e Restauração