Assis (em italiano Assisi; anteriormente Asisium, em latim), de acordo com a Wikipedia, é uma cidade (e uma comuna italiana) e sé episcopal no flanco ocidental do Monte Subasio, na região da Umbria, província de Perugia.

É famosa por tes sido o local de nascimento de São Francisco de Assis (Francesco Bernadone), que lá fundou o Ordem dos Franciscanos em 1208, e de Santa Clara de Assis (Chiara d’Offreducci), fundadora da Ordem das Clarissas.

A Basílica de São Francisco de Assis é um edifício classificado pela UNESCO como Patrimônio Mundial. O mosteiro franciscano e as basílicas inferior e posterior de São Francisco começaram a ser erigidos logo a seguir à sua canonização em 1228, tendo ficado completos em 1253. A basílica inferior tem afrescos de Cimabue e a superior de seu discípulo Giotto que retratam cenas da vida do santo.[1]

Em 26 de setembro de 1997, um severo terremoto atingiu a região da Umbria e Le Marque, em Assis, Itália, tristemente, causando sérios danos à Basílica de São Francisco, principalmente em sua porção superior, e a seus famosos afrescos.

Antes do teto da Basílica Superior ruir, após o segundo tremor, os restauradores responsáveis pela conservação da igreja que ali se encontravam, a fim de estudar os possíveis danos ocorridos em virtude dos primeiros abalos, notaram sujeira no chão o que lhes causou estranhamento, tendo em vista que a Basílica é sempre mantida impecavelmente limpa.

 assis 2(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

A situação, logo após o terremoto era dramática.

Por conta da preocupação em salvar pessoas que pudessem se encontrar presas sob os escombros, os bombeiros agiram de maneira rápida, utilizando-se de escavadeiras para remover o entulho e, consequentemente, liberar a entrada, já que, na ocasião, cinco ou seis pessoas constavam como desaparecidas.

Contudo, evidentemente, esse tipo de operação de emergência pôs em risco os fragmentos dos afrescos que haviam desabado, misturando-se ao restante do entulho.

assis 6(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

As fotografias e o filme do desabamento somente foram possíveis, em decorrência de haver um grupo de restauradores dentro da Basílica Superior no exato momento em que o tremor de maior intensidade ocorreu, causando o colapso de partes do teto e respectivos afrescos.

Isto porque, tremores anteriores de menor intensidade já haviam ocorrido, fato que fez que repórteres, restauradores e outras entidades e grupos responsáveis pela Basílica para lá se dirigissem, com o intuito de averiguar possíveis estragos.

Em virtude do grande susto, nem mesmo os restauradores que ali se encontravam atentaram para o fato dos fragmentos de afrescos serem comprometidos pela ação dos bombeiros. Afinal, encontrar os desaparecidos era a prioridade naquele momento.

Todavia, o Sr. Giuseppe Basile (do Istituto Centrale per il Restauro e responsável pela coordenação de todo o projeto de restauro da Basílica após o terremoto), mesmo diante de uma situação dramática, requereu aos bombeiros, a despeito da busca das vítimas, que trabalhassem com cuidado e devagar numa tentativa de preservação dos fragmentos de afrescos em meio aos destroços.

A pressa poderia causar perdas irreparáveis. Dessa maneira, pediu-se aos bombeiros que empilhassem o entulho com cuidado em frente à Basílica, para que assim que tudo se acalmasse, os fragmentos pertencentes aos afrescos pudessem começar a ser localizados.

Os bombeiros seguiram as instruções e foi possível recuperar, nesse primeiro amontoado de entulho, mais de 100.000 fragmentos de afrescos. O que possibilitou executar-se, por exemplo, as recomposições legíveis de São Jerônimo e os oito santos do arco.

Os estragos não foram, ao final, totalmente irreparáveis, como se mostrará a seguir, mas o teto da Basílica Superior acabou cortado por várias rachaduras e dois enormes buracos de 180m2 de onde os afrescos do final do século XIII desabaram.

Próximo à Basílica, foram montadas tendas onde se iniciaram os trabalhos de separação dos fragmentos, por restauradores voluntários, bem como onde, inicialmente, tais fragmentos foram armazenados.

 assis 10(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

Quando o inverno chegou, os  fragmentos foram removidos para um salão dentro do próprio Convento de São Francisco, local que, apesar do espaço reduzido e menos funcional do que outros, foi eleito para a execução de todo o restauro dos afrescos comprometidos pelo terremoto. Esforço justificado no intuito de não descontextualizar os fragmentos de afrescos já tão danificados pelo colapso.

assis 13(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

Simultaneamente ao trabalho de separação dos fragmentos, foi executada a contenção da estrutura externa da Basílica Superior com a instalação de uma “gaiola”.

 assis 15(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

Surgiu, então, uma indagação sobre como proceder aos trabalhos no interior da Basílica Superior com segurança, tendo em vista que riscos reais de mais desabamentos eram iminentes.

Optou-se, assim, pela construção e instalação de uma estrutura metálica que funcionaria como passarela, ligando os dois grandes buracos do teto resultantes da queda da alvenaria e dos afrescos.

Esta estrutura possibilitou, também, alcançar os andaimes construídos no lado exterior da basílica, utilizados na restauração da fachada, por meio do óculo.

assis 20 (Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

Com a “passarela”, instalada na parte interna da Basílica Superior, foi possível efetuar-se uma análise mais detalhada dos danos provocados pelo terremoto, tanto na estrutura quanto nos afrescos. Como também, permitiu que os restauradores procedessem ao estudo dos métodos de construção empregados na Basílica.

A partir da possibilidade de observação da estrutura da igreja, descobriu-se que as abóbadas não eram presas aos arcos de meio ponto, e sim somente apoiadas. Assim, o que havia ocorrido, anteriormente à chegada dos restauradores à Basílica de São Francisco, foi que, em decorrência dos primeiros tremores, as abóbadas se chocaram contra os arcos de meio ponto repetidamente. A sujeira encontrada no chão da igreja tratava-se da areia que havia se soltado do teto, em virtude da repetição de tais choques.

Surgiu um novo questionamento a respeito de como proteger a estrutura do teto contra novos tremores. Chegou-se à conclusão de que consolidá-lo com cimento e resinas sintéticas não seria eficaz. Primeiramente, porque no espaço entre as abóbadas e o telhado havia uma enorme quantidade de sujeira que vinha sendo depositada desde o século XV, bem como decorrente de restaurações negligentes, inclusive a executada em 1960.

Se a solução da consolidação com cimento ou resina fosse adotada, também consolidar-se-ia a enorme massa de materiais acumulada sobre as abóbadas da Basílica, fazendo que toda a estrutura viesse a pesar ainda mais, tornando-a mais vulnerável aos efeitos de outros possíveis abalos.

Segundo, porque, no caso da utilização de resinas, estas poderiam atravessar a sujeira e vir a vazar por entre as rachaduras, impregnando os afrescos.

Dessa maneira, procedeu-se à limpeza da sujeira acumulada sobre as abóbadas e ao reparo das rachaduras. O processo demorou três meses, de dezembro de 1997 a fevereiro de 1998.

assis 24(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

Finda esta primeira etapa, as abóbadas foram presas aos arcos de meio ponto por ganchos dotados de molas de amortecimento.

Neste ponto, a trabalho no interior da Basílica poderia ter sido iniciado, contudo as condições de segurança ainda não estavam completamente adequadas, havia a necessidade da instalação de andaimes.

Entretanto, não havia como instalar andaimes tradicionais no interior da igreja, pois seria impossível construir um único andaime que ocupasse todo o interior da Basílica.

Assim, optou-se pela utilização de módulos de andaimes que foram sendo encaixados, uns após os outros, desde o altar até a entrada da Basílica.

assis 25(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

Outro ponto a atentar-se era o entulho acumulado no interior da Basílica que se tornou impeditivo à construção dos andaimes, tendo em vista que, misturados a ele, estavam inúmeros fragmentos de afrescos.

A fim de remover o entulho do interior da Basílica, conservando-se os fragmentos nele misturados, optou-se por um método utilizado por arqueólogos que trabalham em grandes áreas, os quais utilizam cabos estirados, formando quadrantes, para demarcação do solo.

assis 26(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

Assim, fez-se algo parecido: utilizou-se um grande plástico, dividido em quadrantes numerados correspondentes à área específica de determinado grupo de fragmentos.

Utilizando-se este método, foram recuperadas quinze toneladas métricas de fragmentos que foram colocadas em caixas e levadas ao laboratório.

Em fevereiro de 1998, a primeira fase da construção dos andaimes estava concluída.

Outro questionamento: o que fazer com os fragmentos dos arcos de meio ponto recuperados?

Logicamente, a melhor solução seria reutilizar os fragmentos na reconstrução dos arcos de meio ponto. Porém, especialistas alegaram que tais fragmentos poderiam estar bastante fragilizados pela antiguidade (sete séculos), pelo tremor e, consequente, queda, pondo em risco a nova estrutura da Basílica, se reutilizados fossem.

Dessa maneira, optou-se por construírem-se monolitos reforçados, utilizando-se os blocos salvos dos arcos de meio ponto.

Como resultado deste esforço, um terço das duas abóbadas pode ser reconstruído com material original. O restante foi reconstruído com tijolos novos feitos a mão.

 assis 29(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

Enquanto o trabalho estrutural desenvolvia-se, os fragmentos dos afrescos continuavam a ser catalogados e separados.

Milhões de fragmentos muito pequenos, portanto irreconhecíveis, foram encontrados: aproximadamente oitenta mil fragmentos foram recuperados próximos à entrada da Basílica, pertencentes aos afrescos dos oito santos, da cruz e de São Jerônimo.

Outros duzentos mil fragmentos foram recuperados a partir do material que desabou logo à frente do altar. Dentre estes, oitenta mil fragmentos constituíam a ogiva ou nervura e o teto estrelado (Vela Stellata). Os cento e vinte mil restantes compunham o afresco de São Mateus de Cimabue.

Por volta de cento e sessenta mil fragmentos foram recolocados em seu lugar de origem. Porém, apesar do esforço empreendido, muitos fragmentos não puderam ser recolocados, em virtude de seu pequeno tamanho e monocromia, o que impossibilitou a identificação de seus locais originais.

O método escolhido para a recomposição dos afrescos não foi de fácil empreendimento, tendo em vista que ficou decidido que somente os fragmentos, sobre os quais havia a certeza de sua localização, foram recolocados em seu lugar de origem.

Foram utilizadas plotagens das fotos dos afrescos danificados tiradas antes do terremoto como referência. Este método facilitou bastante a tarefa de recomposição quando se tratavam dos fragmentos mais ricos em detalhes.

assis 30(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

O primeiro afresco a ser reconstituído foi o rosto de São Rufino. Isto porque rostos possuem mais detalhes, enquanto os corpos, menos. A recomposição dos afrescos, entretanto, não foi nem de perto uma tarefa fácil, tendo em vista que os fragmentos recuperados não chegavam nem perto de todo o total que havia desabado, bem como se tratavam de pedaços tão pequenos quanto uma moeda de um euro. Muitos eram dotados de bordas muito pontiagudas.

No primeiro ano do aniversário do terremoto, a figura inteira de São Rufino havia sido recomposta.

A partir desse ponto, com o sucesso da recomposição da imagem de São Rufino e dos fragmentos recuperados na entrada da Basílica, decidiu-se empregar os mesmos métodos aos outros afrescos, a fim de recolocarem-se as imagens salvas em seu local de origem.

Todavia, pairava, ainda, a dúvida, no que diz respeito ao fato se o método que deveria ser utilizado para completar as figuras seguiram o quanto sempre defendido pelo “Istituto Centrale per il Restauro”.

Selecionaram-se, então, os dois santos mais significativos do ponto de vista estético e técnico: São Rufino e São Vitório

O método empregado não visou a reintegração das figuras, tampouco a camuflagem das lacunas, mas sim objetivou criar uma unidade potencial das obras, diminuindo-se o impacto ótico que a lacuna provoca no olhar humano. Método inovador, também, empregado em pinturas.

assis 35(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

Entretanto, quando os painéis, contendo os fragmentos dos afrescos, foram recolocados em seus lugares de origem, de perto, pareciam bem legíveis, mas há vinte metros de distância a sua legibilidade restou comprometida, problema que se agravava quando a luz natural invadia a Basílica através da rosácea.

Enfim, a solução para tal problema somente viria quando as imagens das áreas danificadas fossem compostas com todos os afrescos em seus lugares de origem.

Saliente-se que, surpreendentemente, até mesmo muitos afrescos monocromáticos e diminutos foram passíveis de recomposição. O método empregado assemelhou-se à montagem de um quebra-cabeça em que se buscou o encaixe perfeito das bordas das pequenas peças, colando-as (houve casos de vinte ou trinta fragmentos colados), a fim de formar-se uma peça maior.

Muitos fragmentos das faixas decorativas, contudo, não puderam ser remontados. Porquanto pintadas a mão livre, sem máscaras ou moldes, apesar de aparentemente iguais, percebeu-se que eram todas diferentes. Assim, fiéis ao método adotado para o restauro dos afrescos, os restauradores somente recolocaram os fragmentos que tinham certeza pertencerem a áreas certas e específicas, excluindo aqueles que lhes eram duvidosos.

A tecnologia também foi empregada. Do ponto de vista científico obtiveram-se resultados satisfatórios, mas não muito efetivos do ponto de vista técnico, pois, por exemplo, no caso da imagem de São Mateus que praticamente se pulverizou, tendo sido salvas somente metade das partes indicativas, acabou-se obtendo, como resultado, apenas uma espécie de contorno.

No que diz respeito à decoração das paredes da Basílica, somente algumas necessitaram de consolidação onde rachaduras acabaram por reabrirem-se.

Felizmente, nenhum dos afrescos de Cimabue e Giotto, das cenas da vida de São Francisco, pintados entre 1290 e 1310, localizados nas paredes sofreram danos significativos.

As paredes não apresentavam os mesmos problemas do teto, contudo, em virtude do desabamento, havia uma grande camada de poeira sobre os afrescos. O procedimento de limpeza foi cuidadoso: o instituto havia restaurado estes afrescos entre os anos de 1982-1983, assim sabia-se que nenhum tipo de líquido poderia ser utilizado sobre os afrescos, pois os danificariam. Dessa maneira, foi utilizada uma espécie de “borracha” que, pouco a pouco, “apagou” a crosta de poeira, limpando os afrescos.

Com a constituição da coesão entre o suporte mural e a película pictórica, seguida pelo polimento dos afrescos, terminou-se o trabalho de conservação dos mesmos, podendo-se considerá-los, então, a salvo.

Em 28 de novembro de 1999, data da reabertura da Basílica Superior, as imagens de São Vitório e São Rufino já haviam sido recolocadas em seus locais de origem.

As outras imagens de São Francisco, Santa Clara, São Benedito, Santo Antônio de Pádua, São Domenico e São Pedro, o mártir, foram recolocadas em seus lugares, em 26 de setembro de 2001.

Em 26 de setembro de 2002, foram recolocados o afresco de Santo Jerônimo e sua respectiva nervura[2] (costolone).

 assis 36(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

As operações de restauração e recolocação dos afrescos foram extremamente complexas, tendo em vista que as superfícies trabalhadas eram de proporções enormes e em forma de curva.

Inicialmente, foi construída uma grande estrutura, a partir da qual os suportes para os afrescos foram montados. Os fragmentos de afrescos foram colados às estruturas especialmente fabricadas para servirem-lhe de suporte e gesso foi aplicado para nivelar essas estruturas aos fragmentos.

O impacto ótico das lacunas foi amenizado e pequenos retoques efetuados nos tons dos fragmentos a fim de recuperar-se, ao menos, parte da legibilidade das imagens. Este último procedimento foi considerado bastante complexo e delicado, tendo em vista que, apesar da necessidade de recuperar-se a legibilidade das figuras, ao mesmo tempo, evitou-se completa-las, para que não fosse criado um falso artístico.

No que diz respeito aos elementos das imagens (tais como, fundos, molduras, elementos decorativos arquitetônicos, tecidos e etc.), decidiu-se pela reconstituição por meio de velaturas[3], pintando-se pequenas porções, bem como pela diminuição do impacto ótico provocado pelas lacunas.

Para amenizar o efeito ótico das lacunas, a fim de que os fragmentos pudessem se sobressaltar, foi utilizada tinta aquarela com o intuito de “acalmar-se” o branco gritante do gesso.

Enfim, as placas que serviam de suporte para os afrescos reconstituídos foram embaladas em papel bolha, retiradas do laboratório e transportadas para a Basílica. No total, foram quatro placas de suporte para os quatro pares de santos, onze para a cena de São Jerônimo e vinte e oito para a cena de São Mateus.

As placas foram instaladas no teto da Basílica por meio de um sistema moderno que utilizou parafusos, podendo ser removidas a qualquer tempo, respeitando-se o princípio da reversibilidade.

Finalmente, com os afrescos recolocados em seus locais de origem, foram feitos ajustes para minimizarem-se os efeitos óticos das lacunas, levando-se em conta a distância do teto ao chão da Basílica, bem como a maneira como a luz penetra na igreja.

Ainda, no que diz respeito a estes retoques finais, também foi tido em conta o contexto geral das pinturas circundantes, já que, no caso de pinturas murais, trata-se sempre de um sistema de imagens inter-relacionadas.

Com base no fato de que os afrescos de Giotto, localizados na parede da Basílica, mesmo com lacunas, não tiveram sua legibilidade prejudicada em virtude de poder-se a qualquer tempo relacionarem-se a documentação pré-existente às imagens restantes nas paredes da igreja, quanto ao afresco de São Mateus, optou-se pelo mesmo partido.

Do afresco de São Mateus somente vinte por cento de seus fragmentos foram passíveis de recuperação e as partes importantes como a cabeça, as mãos e os pés ficaram faltando. Desse modo, objetivando-se não cometer um falso histórico e artístico, decidiu-se somente pela diminuição do impacto ótico das lacunas, com a amenização do branco do gesso e mínimos retoques. Os restauradores sabiam, desde o início, que esta imagem não poderia ser reconstituída e sua legibilidade dar-se-ia somente com a utilização de fotos anteriores ao desabamento.

Aplicando-se o mesmo critério, um dos afrescos estrelados que não pôde ser reconstituído, teve sua lacuna preenchida com cores que diminuíssem o impacto ótico do branco do gesso, deixando-se evidente, porém, que este afresco de Cimabue não mais existe fisicamente depois do colapso provocado pelo terremoto.

assis 38(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

Durante a execução dos trabalhos de restauração, houve várias críticas, muitas das quais alegavam que a utilização de plotagens de fotografias tornaria o procedimento mais barato, rápido e, até, resultaria em efeitos visuais melhores. Contudo, o objetivo almejado sempre foi o de salvar o trabalho artístico original, a fim de preservar-se sua autenticidade. Obviamente, por tratarem-se, os afrescos, de obras de arte de cunho visual, diversificados métodos foram empregados, com o intuito de resgatar-se, ao menos, parte de sua legibilidade. Entretanto, buscou-se sempre a mínima intervenção, evitando-se ao máximo o falso artístico e histórico, levando-se sempre em conta o imprescindível princípio da reversibilidade.

Enfim, mesmo os fragmentos aparentemente ilegíveis do afresco de São Mateus dão-nos a impressão de que ali sua imagem ainda pulsa viva.

assis 39(Fonte: “Il Restauro della Basilica di Assisi” – produção do Ministero per i Beni e la Attività Culturali)

Levando-se, ainda, em conta o fato de que a Basílica de São Francisco não se tratar somente de monumento histórico e artístico, sendo também local de culto e peregrinação religiosa, uma das primeiras medidas tomadas, pelos restauradores responsáveis pela Basílica, foi a de tornar a Basílica Inferior segura e pronta para frequentação de fiéis.

A Basílica Inferior que havia tido seus afrescos recentemente restaurados também sofreu consequências oriundas do terremoto, especialmente em virtude do desabamento da abóbada que continha o afresco de São Mateus. Os destroços abriram um buraco no chão da Basílica Superior, atingindo alguns afrescos da Inferior.

Assim, cuidados emergenciais foram tomados no que diz respeito ao teto da Basílica Inferior, consolidando-o, com a finalidade de prover segurança a seus frequentadores. Concomitantemente, procedeu-se à restauração dos afrescos danificados.

Assim, um mês após o terremoto, os peregrinos já podiam rezar na cripta onde estão guardados os restos mortais de São Francisco.

Conclui-se o que segue:

Segundo Cesare Brandi, “(…) a restauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão para o futuro” e “(…) a restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo”. (BRANDI, 2004: 30 e 33)

Ao longo de todo o processo de restauro da Basílica de São Francisco, restou evidente que tais corolários foram fielmente seguidos, desde o cuidado com a preservação dos fragmentos dos afrescos até seu estágio final, qual seja, a recolocação destes no teto da Basílica.

O respeito à significância de tais obras pode ser traduzido em uma das primeiras decisões tomadas pelo instituto responsável pelo restauro: a opção de não retirar os fragmentos do Convento, a fim de não descontextualizá-los, uma vez que já haviam sido muito danificados. Mesmo instalados em um ambiente menor e, talvez, não tão apropriado como um laboratório de restauração, os restauradores trabalharam, por dois anos, em um salão ali localizado.

Um dos problemas que se apresentou foi o relativo aos danos causados à estrutura do edifício. Optou-se pela utilização de materiais modernos (ganchos com amortecedores e tijolos novos feitos artesanalmente), já que a estrutura que havia desabado não teria como ser recuperada sem pôr em risco a segurança do complexo inteiro. Quanto às porções de arcos que puderam ser recuperadas, estas foram reforçadas, também com materiais modernos, levando-se em conta o fato de estarem fragilizadas pela antiguidade e pelo colapso, e reutilizadas na recomposição da estrutura.

“Veja-se agora outro exemplo, aquele de um edifício que, parcialmente derrubado por um terremoto, se presta, no entanto, a uma reconstrução ou anastilose. Nesse caso, o aspecto não pode ser considerado só como a superfície externa dos blocos, mas estes últimos deverão permanecer como blocos, não apenas na superfície; no entanto, a estrutura parietal interna poderá mudar, para se garantir de futuros terremotos e até mesmo a estrutura interna das colunas, se existirem, poderá ser substituída, desde que não se altere com isso o aspecto da matéria. Mas também aqui será necessária uma refinada sensibilidade para assegurar que a estrutura alterada não se repercuta no aspecto”. (BRANDI, 2004: 37)

E ainda, “(…) em caso de necessidade, será possível reconstituir – ainda não que totalmente – o interior de um monumento (…)”. (BRANDI, 2004: 132)

Os afrescos prejudicados pela queda de destroços da Basílica Inferior foram devidamente reparados, porém os estragos nele provocados não foram omitidos, o efeito ótico das lacunas foi amenizado, entretanto não foram completados.

Nesse sentido, acerca da lacuna, pode-se dizer que é “(…) um esquema espontâneo da percepção instituir, em uma percepção visiva, uma relação de figura e de fundo. Essa relação é depois articulada e desenvolvida na pintura segundo a espacialidade pré-escolhida em relação à imagem; mas quando no tecido da pintura manifestar-se uma lacuna, essa ‘figura’ não prevista será percebida como figura para a qual a pintura faz papel de fundo: donde, à mutilação da imagem, se acrescente uma desvalorização, um retrocesso a fundo daquilo que, ao contrário nasceu figura. (BRANDI, 2004: 49)

Os afrescos de Giotto na Basílica Superior que ficaram cobertos pela poeira oriunda do desabamento foram somente consolidados e limpos, permanecendo no mesmo estado como sempre estiveram, com algumas lacunas, desgastes decorrentes da passagem do tempo, pois “(…) a mais grave heresia da restauração: é a restauração fantasiosa”. (BRANDI, 2004: 60)

Os afrescos que, por conta do terremoto, culminaram por tornarem-se fragmentos foram reconstituídos com base em princípios sérios da restauração. Somente foram recolocados os fragmentos, sobre os quais se tinha certeza de sua original localização; houve o retoque com aquarela – amenização do efeito ótico com material reversível, sem que se tenha escondido as partes faltantes; e os retoques das imagens somente foram efetuados para que se recuperasse, ao menos, parte de sua legibilidade, contudo, executados exclusivamente em elementos de pouca importância estética.

“A restauração, para representar uma operação legítima, não deverá presumir nem o tempo como reversível, nem a abolição da história”. O terremoto foi uma fatalidade histórica com consequências irreversíveis, a restauração dos afrescos foi possível em grande parte, mas o ocorrido estará para sempre registrado nas lacunas remanescentes. (BRANDI, 2004: 61)

Por fim, os suportes que continham os fragmentos dos afrescos foram recolocados em seus locais de origem com o emprego de métodos modernos, os quais não influenciaram na estética, respeitando-se, ainda, o princípio da reversibilidade e facilitação de possíveis futuras intervenções que, por ventura, se façam necessárias.

Os afrescos de São Mateus e o estrelado não puderam ser reconstituídos, já que bem poucos fragmentos foram recuperados, dessa maneira, foram recolocados unicamente os fragmentos que se tinha certeza da localização. Houve a diminuição do impacto ótico das lacunas apenas.

O procedimento de restauro foi inteiramente documentado, visando, também, facilitar intervenções futuras. E, somente, obteve tamanho êxito porque documentação farta já existia.

Após a restauração, a grande maioria dos afrescos teve parte de sua legibilidade recuperada, porém é observável a olho nu, a intervenção executada, não há dúvidas que por ali passou um terremoto, registrado está, pois, nas lacunas que não puderam ser preenchidas. A utilização de materiais disponíveis à época da restauração para consolidar a estrutura são indícios e marcas dos recursos e das técnicas disponíveis na ocasião.

“A ação de restauro, ademais, e pela exigência que impõe e respeito da complexa historicidade que compete à obra de arte, não se deverá colocar como secreta e quase fora do tempo, mas deverá ser pontuada como evento histórico tal como é, pelo fato de ser ato humano e de se inserir no processo de transmissão da obra de arte para o futuro.” (BRANDI, 2004: 61)

Em suma, o Istituto Centrale per il Restauro, do qual Cesare Brandi foi o seu primeiro diretor, é uma entidade pautada por diretrizes sólidas e bem definidas, frutos de uma profunda reflexão teórica criadora de um modelo organizativo e metodológico multidisciplinar, que pautam e regulam suas ações. E é por isso que este Instituto e sua competente vontade sincera de legar aos futuros memórias histórica, cultural e artística verdadeiras, fazem da restauração da Basílica de São Francisco de Assis um exemplo a ser admirado, estudado e seguido.


[2] Esquema ilustrativo de nervuras, http://it.wikipedia.org/wiki/Costolone, em 09.08.2013

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[3] Processo que consiste na aplicação de uma fina camada de tinta ou verniz transparente sobre uma pintura já finalizada, permitindo que a tinta aplicada anteriormente continue visível e que a luz incidente seja refletida pela superfície coberta e modificada, em sua tonalidade, pela própria velatura. A velatura pode receber uma pequena quantidade de pigmento. (http://itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3852, em 14.06.2006)

Referências

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