Sustentabilidadepode, de modo geral, ser definida como
A capacidade do ser humano interagir com o mundo, tendo em consideração as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades. Desse modo, a sustentabilidade ambiental pode, por exemplo, ser alcançada pela mitigação do consumo de energia, uso de recursos, da produção de resíduos e, também, pelo prolongamento da vida útil dos materiais. Some-se que praticar a sustentabilidade ambiental é, em última instância, fazer escolhas pessoais e, como quase toda atividade humana, a prática da conservação e restauro pode resultar em consequências ambientais, negativas ou não, a depender das ações do profissional.
O exercício da conservação e restauro sustentável, “verde”, é algo que os conservadores-restauradores podem e devem praticar, pois, além de experimentarem vários benefícios sociais e econômicos, estarão em consonância com as mais contemporâneas diretrizes éticas profissionais. Acrescente-se, ainda, que a conservação ambiental e a conservação do patrimônio histórico, cultural e artístico compartilham um mesmo ideal: preservar o presente em nome e sem comprometer as necessidades do futuro.
A conservação e restauração sustentável visa melhorar a compreensão do conceito de sustentabilidade, o desenvolvimento e a implementação de protocolos, materiais e métodos eco-sustentáveis, a saúde e segurança, a proteção ambiental, as tecnologias aplicadas ao patrimônio cultural em museus e sítios culturais, as atividades de conservação e restauro e, em geral, a sustentabilidade patrimonial.
Emprego de gel (solução “C”), confeccionado pelo Ateliê, em tratamento de conservação e restauro: remoção de verniz oxidado.
No que diz respeito a ações práticas em prol da sustentabilidade, o Ateliê sempre buscou fazer uso dos recursos, tanto de energia como de materiais, de maneira consciente e regulada. Assim, medidas simples como o desligamento de equipamentos e luzes que não estejam em uso, substituição de lâmpadas incandescentes ou fluorescentes por alternativas energeticamente mais eficientes e duráveis como as de LED, diminuição significativa na quantidade de papel utilizada (documentos, relatórios, catalogação de obras e etc. são feitos em ambiente virtual, em “nuvem”) e conforto térmico ambiental por meio de ventilação natural sempre fizeram parte do nosso cotidiano.
Da mesma forma, é constante a preocupação em reduzir, reutilizar e reciclar: quando possível, os materiais de embalagem são limpos e reaproveitados, as luvas descartáveis são reutilizadas até que não sejam mais capazes de proteger tanto o objeto quanto o usuário, adesivos, preenchimentos e quaisquer outras soluções ou materiais são somente misturados conforme necessário, a reciclagem é prática rotineira e fazemos o uso máximo de documentos e registros eletrônicos.
Ainda, estando cientes do conceito de compras sustentáveis e no que é realizável em um ateliê de conservação e restauro, buscamos conhecer as terminologias e os símbolos usados pelos fabricantes e pela indústria que indicam os altos padrões ambientais, adquirir produtos de origem local e considerar o seu ciclo de vida.
Enfim, não é de hoje que decisões cotidianas no Ateliê são tomadas levando em conta a sustentabilidade e, além das medidas já citadas, há alguns bons anos, decidimos nos dedicar com afinco à pesquisa em busca de uma prática profissional mais limpa e sustentável e menos prejudicial à nossa saúde.
Calculadora de carbono. FAIC e STICH – Sustainability Tools in Cultural Heritage.
O que acontece é que, na realidade, os tratamentos de conservação e restauração, muitas vezes, dependem de materiais e produtos, cuja produção e/ou descarte podem ter um impacto negativo no meio ambiente e na saúde do conservador-restaurador, inclusive, alguns deles possuindo restrições legais que regem seu uso.
Nos últimos quinze anos, felizmente, o interesse pelo desenvolvimento de alternativas, produtos e materiais inovadores focados no critério da sustentabilidade tem crescido de maneira significativa em nossa área de atuação, o que nos possibilitou, durante esses anos de estudo, pesquisa e atualização constante, conhecer opções que nos proporcionam escolhas mais conscientes, eficazes e eficientes e menos poluentes.
Dessa maneira, um recurso que atualmente dispomos como opção bastante eficaz e eficiente, às soluções e aos solventes classicamente empregados em remoções em tratamentos de conservação e restauro, são os géis que, além de propiciar o controle da evaporação do solvente contido no gel e da sua impregnação na obra de arte, bem como a limitação da área tratada, também são menos nocivos à saúde (devido à sua evaporação mais lenta) e menos poluentes já que a quantidade de solventes empregada em sua confecção é menor do que nas soluções tradicionalmente usadas em remoções. Também é consideravelmente menor a quantidade de gel usada em dado tratamento quando comparada às soluções e solventes líquidos.
E não só. Mais recentemente, é possível combinar todo esse conhecimento com o cálculo da pegada de carbono deixada por nossas ações. A partir dos vídeos acima, há a possibilidade de se acompanhar uma experiência real vivida no Ateliê.
Primeiro, foram definidas, a partir de parâmetros específicos, quais combinações de solventes serviriam para remover o verniz em questão sem macular a camada pictórica que, no caso, tem como aglutinante o óleo. A título de esclarecimento, a água é também um solvente, contudo, não a denominamos desse modo no vídeo para diferencia-la dos solventes não sustentáveis.
Assim, no segundo vídeo, vê-se a “Solução A” que contém os “solventes 1 e 2” (tudo em estado líquido) como geradora da maior pegada de carbono e a “Solução B” que também contém os ”solventes 1 e 2” (gel), gerando uma menor pegada de carbono, justamente porque possui uma menor quantidade do solvente mais poluente (“2”). A “Solução C” (gel) contém os “solventes 3 e 2”, ou seja, substituímos o “1” pelo “3” menos poluente e ainda pudemos diminuir o montante de “2” que de todos é o mais prejudicial ao meio ambiente, obtendo-se a solução mais sustentável das três e que é igualmente eficaz e eficiente na remoção do verniz em estudo.
Conclusão: conhecer as opções tradicionais e as mais contemporâneas de como misturar solventes, saber combinar ferramentas como a de cálculo de parâmetros de solubilidade e a calculadora de carbono, bem como dominar os materiais que compõem as obras que pretendemos tratar e as técnicas de conservação e restauro, nos proporciona uma experiência muito além da prática profissional ética e segura, nos permite, pois, sermos mais conscientes de nossas responsabilidades, contribuindo diretamente não somente para a proteção dos patrimônios histórico, cultural e artístico, mas também do patrimônio natural para as futuras gerações.
Referências
FIFE, Gwendoline R. “Greener Solvents in Conservation - an introductory guide”. Londres: Archetype Publications, 2021;
https://stich.culturalheritage.org, consultado em 09/01/2022.
Você sabia
O primeiro passo antes de qualquer intervenção de conservação e restauro é fazer a documentação e avaliação das obras de arte
O Ateliê faz máximo uso de documentos e registros eletrônicos o que nos possibilita ter um banco de dados completo, de fácil acesso e sustentável.