O Povoamento

O processo de povoamento no estado de São Paulo ocorreu de forma diferenciada do restante do país. Iniciou-se no litoral, São Vicente, subindo a Serra do Mar para implanta-se a partir do Planalto do Piratininga, onde aldeamentos, vilas e cidades foram sendo construídos por quase quatrocentos anos.

À época, a região era isolada e a cultura local era fruto da mestiçagem de povos nativos, colonizadores ibéricos, africanos e imigrantes. As residências bandeiristas e demais edificações eram simples e feitas de barro, mais especificamente de taipa de pilão.

A primeira ocupação oficial do litoral brasileiro foi em 1532, por Martim Afonso de Souza, com a Vila de São Vicente, em São Paulo. Ainda nos primórdios da colonização, outras povoações litorâneas subsistiram aqui e ali.

Esse primeiro período colonial é fortemente marcado pelo impacto das dificuldades encontradas pelos europeus ante à natureza brasileira – como a estreita faixa litorânea de baixo cultivo e a tortuosa subida da Serra do Mar.

O avanço serra acima ocorreu por conta da crença na existência de caminhos desde São Vicente até Assunção, no Paraguai. A primeira cidade interiorana, São Paulo, nasceu em torno do Colégio dos Jesuítas, com missa celebrada no ano de 1554 pelo padre Manoel da Nóbrega. Os habitantes do local ocupavam-se com a captura de índios e com o desbravamento em busca de ouro.

O segundo período de ocupação pode ser considerado entre os anos de 1553 a 1611 quando se estabelecem Parnaíba e Mogi das Cruzes. É nesse período que se prepara o descobrimento das minas auríferas ao mesmo tempo em que a cana-de-açúcar não vinga no litoral paulista. Ademais, com a formação de São Paulo e novos núcleos, a posse de índios valia mais do que ser proprietário de terras.

Entre 1611 até 1695, terceiro período, formam-se os arredores de São Paulo com o surgimento de povoamentos nos vales dos rios Tietê e Paraíba do Sul, bem como no litoral norte.

Num quarto período, 1696 a 1765, tem início a descoberta do ouro. Ao longo dos rios Tietê, Paraíba e Iguape, durante o século XVIII, surgem santuários ligados ao aparecimento milagroso de imagens emergidas das águas. Após a descoberta do ouro, a capitania paulista extingue-se, sendo restaurada entre 1765 a 1785, em decorrência de causas políticas e econômicas. Ao final deste período, as populações já estavam tão espalhadas que ultrapassavam os limites do Tratado de Tordesilhas.

Inicia-se o último ciclo a partir de 1765 até 1834 caracterizado pelo cultivo da cana-de-açúcar e, posteriormente, pela cultura cafeeira, com os primeiros cafezais datados de 1809 a 1830, plantados na região do Vale do Paraíba. Agora a expansão ruma para o Oeste do estado.

Por onde passa a lavoura cafeeira surgem as primeiras indústrias: em 1810, funda-se a primeira fundição de ferro do país; em 1811, a primeira fábrica de tecido de algodão e em 1836, a instalação da primeira máquina a vapor para o refino de açúcar.

O café trouxe consigo as exigências de mão-de-obra imigrante e assalariada, estradas de ferro e crescimento do porto de Santos. No século XIX há, também, um crescimento da malha rodoviária. No final do século XIX, os caminhos de ferro passam a formar novas cidades, deixando para trás as antigas cidades coloniais de estilo barroco e rococó.

barroco paulista 1A cidade colonial

As construções eram de cal e pedra, porém, quando difíceis de serem obtidos, onde houvesse bom barro, recorria-se à taipa de pilão.

A taipa de pilão foi largamente utilizada em todo o estado de São Paulo, com exceção do litoral.

As edificações de taipa de pilão distinguem-se das de alvenaria de pedra pelos contornos menos definidos e pelo aspecto acachapado.

No Planalto do Piratininga, berço da cidade de São Paulo, a taipa imperava, tal como ainda se vê no Convento de São Francisco e no da Luz, estes verdadeiros testemunhos da “cidade de barro”.

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A Arte Sacra Colonial

De acordo com Percival Tirapeli: “Internamente, as igrejas foram decoradas com retábulos ou altares em madeira, cujas características configuram, podemos já dizer, uma morfologia própria dos retábulos paulistas. Resguardados pelo tempo e apontados como jóias da arte brasileira, os retábulos maneiristas formam um conjunto diferenciado, bastante admirado pelo arquiteto Lúcio Costa e pelo crítico modernista Mário de Andrade” (TIRAPELI, 2003, p.21).

Em geral, as igrejas coloniais brasileiras distinguem-se pela simplicidade de seu exterior, em taipa de pilão ou pedra e cal, em contrapartida à riqueza da ornamentação interior. A talha encontrou campo fértil no Brasil em virtude da boa qualidade da madeira e abundância do ouro.

Nos séculos XVI e XVII, ocorre um período estilístico denominado maneirismo, o qual se caracteriza genericamente pelo emprego do repertório renascentista, acrescido de uma transgressão deliberada. Possui, sobretudo, colunas isoladas, de fuste retilíneo, sustentando entablamentos, apoiadas em dados e envolvendo nichos em arco pleno, com imagens de madeira policromada e/ou painéis retangulares, com pinturas e/ou ornamentação em baixos-relevos.

O segundo grupo de retábulos é denominado de estilo nacional português, prevalecendo entre os anos de 1700 a 1740. As colunas torsas são típicas deste estilo, o qual é mais tradicional de linhas barrocas, surgido em Portugal no século XVII, sem equivalentes em nenhuma outra região europeia. Caracteriza-se por uma estrutura básica com colunas torsas ou salomônicas e coroamento ou remate em arquivoltas concêntricas, lembrando os portais românicos, revestido por talha dourada e policromia em azul e vermelho, representando folhas de acanto e videiras, cachos de uvas e pássaros fênix, símbolos do repertório clássico e judeu-cristão.

O terceiro grupo de retábulos é chamado de estilo Dom João V, ou “joanino”, prevalecendo entre os anos de 1740 a 1760.  De influência italiana, enfatiza mais a figura humana, sobretudo anjos, como tema ornamental, com colunas salomônias, revestido em policromia branca e dourada representando volutas, conchas, plumas, palmas e grinaldas de flores.

O quarto grupo de retábulos caracteriza-se pelo estilo rococó, prevalecendo entre os anos de 1760 a 1800. Este estilo compõe a maior parte do acervo paulistano, notando-se que, no período de transição, na segunda metade do século XVIII, os retábulos apresentam características barrocas e rococós ao mesmo tempo. Suas características são, em linhas gerais, assimetria na talha; ondulação das superfícies e remates sinuosos; decoração de formas chamejantes e serpentiformes, com folhas estilizadas, curvas e contracurvas, ornatos requintados e influência francesa e formas opulentas; enlaçamento de volutas, molduras convexas, colunas retas e caneladas verticalmente e superfícies brancas e lisas com filetes dourados.

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Há, ainda, os retábulos de estilo neoclássico do início do século XIX. Com o desenvolvimento econômico pautado pela cultura cafeeira e a proximidade com a capital do Reino, o novo gosto passa a ser pautado pelo despojamento, pela claridade de formas e pelo branco. Estes retábulos são caracterizados por linhas retas e severas, colunas de grande porte com caneluras e pintadas de branco com filetes dourados. Geralmente em número de oito, essas colunas com capitéis compósitos sustentam um coroamento vazado elíptico ao gosto barroco, com estrutura presa às paredes.

Existem, por fim, os retábulos peregrinos, denominação dada àqueles que foram deslocados de seu lugar de origem em princípios do século XX, a fim de que fossem preservados durante as reformas drásticas ou demolições de igrejas que ocorreram durante este período.

A imaginária

Na região que iria se tornar São Paulo, a então capitania de São Vicente, surgiram logo no início do primeiro período da colonização portuguesa, obras que são marcos importantes da criação artística do país. Há notícias de que muitas imagens de diversos tamanhos foram trazidas de Portugal, colocadas em capelas e, depois, em igrejas e oratórios nas casas e propriedades dos mandatários.

Uma busca maior por imagens, a fim de serem postas nos lugares onde a fé cristã se propagava, fez com que as peças começassem a ser produzidas no país, mesmo na situação precária da colônia. As obras criadas no Brasil do século XVI e XVII são quase exclusivamente feitas de argila, empregando-se fino barro existente nas margens dos rios e nas várzeas.

Em São Paulo, é muito provável que as ordens religiosas tivessem suas “oficinas” para a produção de imagens. A imaginária religiosa paulista pode ser dividida em quatro classes de autores: os leigos, os artistas franciscanos, os artistas da Companhia de Jesus e os artistas beneditinos.

O isolamento geográfico de São Paulo favoreceu a consolidação de um gênero único, com linhas eruditas, bem proporcionadas, executadas com boa técnica, embora produzidas por homens que se ocupavam esporadicamente dessa produção.

São Paulo proveniente da antiga Igreja do Colégio, São Paulo, SP. Imagem com 81 cm de altura, esculpida em barro cozido e policromado, datada dos séculos XVII e XVIII. Esta imagem, provavelmente, é a primeira representação do orago São Paulo. É em barro colonial e a versão paulista de algum modelo culto. Nota-se o primitivismo do autor anônimo em seu planejamento (MAS/SP).

Em São Paulo, os artistas beneditinos merecem destaque, pois foram os únicos a assinarem suas produções como autores. Um dos maiores nomes da imaginária paulista é o frei beneditino Agostinho de Jesus, o qual foi aluno de frei Agostinho da Piedade, outro grande nome da arte sacra colonial brasileira.

A produção da imaginária beneditina em São Paulo denota a presença de artistas cultos, conhecedores de técnicas escultóricas envolvidas pelo uso do barro, o que lhes possibilitou o desenvolvimento de peças que associaram as linhas dos modelos europeus góticos, renascentistas e barrocos, resultando em uma produção característica das terras paulistas.

O Museu de Arte Sacra de Santos possui em seu acervo algumas das mais antigas e austeras imagens beneditinas que remontam aos primeiros anos da colonização.

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As imagens produzidas por frei Agostinho de Jesus caracterizam-se pelos contornos e feições mais leves, tendo este deixado um número grande de obras, dentre as quais, muitas se encontram no Museu de Arte Sacra de São Paulo.

No esteio de frei Agostinho de Jesus outros figuristas também produziram obras de mesmo estilo na região de São Paulo e arredores, bem como artistas de outras ordens monásticas – jesuítas e franciscanos – assim o fizeram, porém não receberam a mesma atenção dos historiadores quanto a pesquisas.

Nos fins do século XVII e início do século XVIII, em São Paulo, passa-se também a utilizar madeira na execução das imagens. Porém o barro foi a matéria-prima usada por excelência na produção da imaginária paulista.

Por fim, há que se mencionar as paulistinhas, pequenas peças de barro cozido, ocas, com orifício cônico na base, que eram apenas encontradas no estado de São Paulo, nos caminhos da lavoura de café.

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A respeito, Cristina Ávila deixou assentado que: “A religiosidade popular também se revela no desejo de posse de relíquias e outros objetos de piedade. Proliferam, assim, imagens pintadas, esculpidas ou xilogravadas dos santos protetores. Muitas vezes eram guardadas em pequenos altares, com o objetivo de criar um ambiente adequado às reflexões e orações onde a relação de intimidade entre o fiel e a divindade pudesse se estreitar […]” (ÁVILA, 1999, p.14).

Pintura

É possível afirmar que a pintura religiosa paulista é caracterizada, principalmente, por sua originalidade e, ao mesmo tempo, simplicidade.

Enquanto que na orla marítima, em decorrência dos prósperos comerciantes de ouro e mercadorias para os mineradores, dos vendedores de escravos e dos senhores de engenho, há manifestações de um barroco opulento, na vila de São Paulo e no interior do estado, as manifestações artísticas deram-se de maneira diferenciada e em menor escala.

Outro ponto a salientar-se diz respeito ao fato de que, em virtude da precariedade das construções das igrejas, bem como por conta do desenvolvimento urbano e industrial ocorrido no século XIX no estado de São Paulo, muitas dessas igrejas ruíram ou foram substituídas por outras, gerando a impressão de que pouco existiu das consagradas impressões artísticas do período colonial.

Entre os artistas da época, os grandes nomes da pintura sacra paulista são: o padre Jesuíno do Monte Carmelo, José Patrício da Silva Manso e Miguel Dutra.

Percival Tirapeli, em seu livro Igrejas Paulistas: Barroco e Rococó, divide e classifica a pintura religiosa paulista em três grupos a seguir elencados e comentados.

O primeiro deles trata-se das pinturas de forros: “O desenvolvimento da pintura paulista nos forros se deve também ao fato de que as igrejas foram se tornando mais amplas, e tiveram seus forros lisos e com maiores superfícies, possibilitando assim novas composições pictóricas. É verdade que em São Paulo não existem forros ilusionistas com tons tenebristas e figuras presas a um desenho arquitetônico submissas à matemática da quadratura” (TIRAPELI,

O segundo grupo de pinturas é em estilo rococó. De acordo com Percival Tirapeli, o melhor exemplar deste estilo no estado de São Paulo encontra-se nos forros das igrejas carmelitas em Mogi das Cruzes. O trabalho existente na nave desta igreja é atribuído a Manoel do Sacramento e trata-se de uma bela pintura ilusionista, “criando uma ilusão de ordens arquitetônicas com pedestais e pares de colunas tripartites que se erguem por sobre as cimalhas transversais” (TIRAPELI, 2003, p.66). Ao admirar-se a obra tem-se a sensação de profundidade sobre o taboado cinza-prata. No forro da capela-mor, há um medalhão com minucioso concheado e presentes estão as cores rosa, azul e esverdeado, tudo tipicamente rococó.

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Outros exemplares de pintura rococó no estado de São Paulo podem ser encontradas nos forros das capelas das casas bandeiristas, como a do Sítio do Querubim, em Sorocaba, e na região de Itu.

O terceiro tipo de pintura religiosa é a executada em painéis e telas. Tais pinturas – ou parietal sobre madeira ou tela ainda existentes – têm nas figuras de José Patrício da Silva Manso e do padre Jesuíno do Monte Carmelo seus maiores expoentes.

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O Museu de Arte Sacra de São Paulo possui, em seu acervo, painéis atribuídos a outros artistas, bem como painéis anônimos sobre madeira pintados a óleo, século XVIII, provenientes do mosteiro franciscano de Santa Clara, de Taubaté. Além deles, telas a óleo com retratos de bispos e família imperial, todos do século XVIII.

No século XIX, Almeida Júnior pintou telas com cenas sacras que se encontram da Pinacoteca do Estado. Há, inclusive, em seu acervo, uma tela proveniente do forro da antiga Sé metropolitana. Deste artista, há, ainda, obras na sacristia da matriz de Itu.

Por fim, é possível encontrar no Museu de Arte Sacra de São Paulo, do início do século XX, painéis de Benedito Calixto, baseados em fotografias, de fachadas das antigas igrejas paulistanas.

Referências

barroco bibliografia