Georgina Albuquerque

“Pintora e desenhista. Quirino Campofiorito, em sua 'História da Pintura Brasileira do Século XIX', salienta que '...Georgina de Albuquerque é autora de uma obra equivalente à de seu esposo (Lucílio de Albuquerque). A atividade artística do casal, tão ligada desde os cavaletes escolares ao casamento, que lhes proporcionou longa e feliz coexistência, poderia haver resultado na predominância artística de um sobre o outro. Isto absolutamente não sucedeu, e, pelo contrário, assiste-se à afirmação de cada qual nos destinos totais de sua obra. A personalidade revelada por cada um deles aos impulsos da mocidade não cessou de confirma-se... Ambos demonstraram uma coerente e acentuada evolução, seguindo, tanto Lucílio quanto Georgina, caminhos marcadamente individuais, o que se percebe seja na conquista e desenvolvimento de cuidados técnicos quanto na elaboração sentimental e intelectual que assistem à inspiração de toda a trajetória de ambas as obras. Se se deve reconhecer em Lucílio um expoente na pintura brasileira, igual posição se pode atribuir a Georgina. Grande pintora e com condição muito particular, pois não era coisa muito fácil em seu tempo que uma mulher conseguisse ultrapassar a singela condição de amadora e, ainda assim, com todas as limitações possíveis. Georgina será a primeira pintora a afirmar categoria de artista considerada no mesmo nível de nossos maiores pintores. Sua estada em Paris não pôde apresentar igual produtividade à de Lucílio, pois eram irremovíveis os encargos domésticos com os filhos lá nascidos. Assim mesmo, superando tais dificuldades, Georgina provas práticas e teóricas para admissão à École Nationale des Beaux Arts, alcançando o quarto lugar em competição com 600 candidatos, o que lhe valeu a frequência gratuita na Academia Julien, onde, de maneira mais livre, ensinavam os professores da École. Frequentando ambos os cursos e também os de Artes Decorativas, alcançou um aprimorado preparo profissional. Tendo ingressado na Escola Nacional de Belas Artes no mesmo ano em que chegara de sua cidade natal, Taubaté, em 1904, dois anos após, ao acompanhar o marido que obtivera o Prêmio de Viagem, não era muito a prática artística que dispunha ao chegar a Paris. Mas, sua decisiva vocação vencia obstáculos e, prontamente, com a assídua frequência aos cursos em que se matriculou e o trabalho também desenvolvido sob as vistas de Lucílio, obteve largo alcance antes que a prole viesse a exigir os devidos cuidados maternais. O tempo que lhe restava permitiu-lhe realizar telas que vieram alcançar grande sucesso quando mostradas na primeira exposição do casal de pintores tão logo retornou ao Rio. De Georgina foram exibidas 26 telas e mais esboços de composição, estudos desenhados e pintados, desenhos e aquarelas, perfazendo um total de 68 peças. Figuras e paisagens já faziam prova de sua marcada personalidade, que não deixaria de sempre mais se afirmar na intensa atividade que desenvolveu até seus derradeiros dias. Já se definia a pintora impressionista, toda voltada para o espetáculo do ar livre. Se Lucílio, com mais decidida preocupação intelectual, freiou em parte sua sedução pelo impressionismo, de modo a dar à sua pintura certos compromissos com a temática simbolista que desenvolve, Georgina, por seu turno, entregou-se inteiramente aos imperativos de sua sensibilidade de pintora, sempre demonstrando em seus temas as preferências que lhe abrissem possibilidades à expansão do trabalho diante da natureza e comprometido inteiramente com os efeitos da luz e da atmosfera, que exigiam das cores correspondências definidas. Se Lucílio deu à sua pintura a vivacidade de uma paleta temperada para os efeitos iluminados do ar livre, Georgina foi bem mais ortodoxa no incorporar à sua paleta obrigações que exigiram desincumbências formais que a fizeram autêntica pintora impressionista... nunca demonstrou interesse pelos recursos do divisionismo, e desenvolveu rigorosamente uma técnica de largo tratamento, com fusão imediata das cores. Transparências e dominantes luminosas foram sempre tratadas com tintas diretamente extendidas e regidas por um flagrante desembaraço. Cancelou as cores que pudessem servir a modelado sem reflexões luminosas. Amarelos, azuis, verdes, violetas, carmins e vermelhos foram empregados com decisão que lhe autentica a sensibilidade pictórica, isenta de freios que as minúcias do desenho ou a complexidade de certos motivos pudessem acarretar. O nu feminino, o retrato e a paisagem foram por muito tempo suas temáticas preferidas, até que a figura humana integrada à vivência popular passa a empolgar a pintura. Lucílio e Georgina, a mais do amplo ateliê que construíram na residência de Niterói, souberam condicionar parte do parque de que dispunham de modo a constituir um setor onde podiam posar figuras desnudas ou vestidas, e assim levar a cabo o trabalho diretamente ao ar livre... (as) composições datadas de então, como se pode constatar nos belos envolvimentos atmosféricos de Primeiros Frutos (MNBA) e em tantas outras telas em que viçosa folhagem e luz solar interferem com oportunidades de efeitos...' É a própria Georgina quem diz, numa entrevista registrada por Angione Costa em seu A Inquietação das Abelhas, de 1927: 'Eu pinto a natureza, pelas sugestões que ela me causa, pelos arroubamentos que me provoca e, como tal, não posso ficar, hierática e solene, ante os imperativos que ela em mim produz. Depois, amo a figura humana. Vou pela praia, encantada com a paisagem; deparo-me com uma criança, enterneço e me desinteresso pelo ambiente em redor. A minha sensibilidade é presa da graça, do movimento, da vibração infantil. O impressionismo, como eu o pinto, é novo aqui e não deixou de encontrar resistências, logo que comecei a fazê-lo.'” (Fonte: LOUZADA, Júlio. Artes Plásticas Brasil – seu mercado – seus leilões. Editora Inter/Arte/Brasil. 1992, v. 4, p. 31 e 32)